domingo, 18 de outubro de 2009

O Mandamento


Fim de tarde. O céu é tingido de um vermelho moribundo por leves e lentas pinceladas do arquiteto do universo, em todo dia quente este espetáculo natural me causa uma vertigem externamente silenciosa, internamente ensurdecedora. Como um espectador passivo assisto Deus brincar de Van Gogh, e inebriado pela poesia do momento sinto que me encontro comigo mesmo. Como saber se sou eu mesmo com quem me encontro? A resposta é simples: não sei. Existem respostas que não necessitam de perguntas e esta é uma delas. A razão nos abandona nos momentos mais difíceis e o instinto não serve de nada em crises existenciais ou outras coisas do gênero. O que me faz ter as certezas das respostas que afirmo sem perguntas é algo sem nome, que existe em nós e não é instinto ou razão, somos nós, somos nós de verdade, será isso a alma? Pode ser, mas não tenho segurança ou coragem de afirmar tal coisa.
Por mais que pareça ousada e bêbada de infantilidade, essas especulações cegas são dotadas de uma sinceridade aterrorizadora, pois partem do íntimo de algo que não se sabe ao certo o que é, algo tão fascinante e assustador como o reino dos mortos.
Após um longo mergulho em mim mesmo, afogado em vertigens e questionamentos, despertei. O espetáculo natural havia terminado sem que eu me desse conta, e agora o manto da noite já havia coberto o céu, enquanto eu, sentado no banco da praça, recuperava o que a sociedade chama de sanidade. Levantei-me, passei a mão pelo rosto, esfregando-o, disposto a novamente acostumar meus olhos à selva de pedra. Com passos incertos e vagarosos atravessei a rua.
Cheguei em casa, coloquei um disco de blues no aparelho de som, liguei a televisão no mudo e deitei-me no sofá. Passa na TV uma reportagem sobre a bomba atômica, rostos desesperados e corpos dilacerados garantiam a audiência da emissora, creio ter cochilado por uns instantes devido ao choque que me causaram as batidas na porta. Levantei-me para atender. Ao abrir me deparo com uma criatura dona de uma beleza violenta, uma jovem de aproximadamente 19 anos de idade, cabelo tingido de vermelho, uma pele tão branca que a deixava com um aspecto de extrema fragilidade, disse se chamar Mariana e ser prima de Paulo, o cara do apartamento ao lado, ela veio visitá-lo, mas ele não estava, disse que meu som estava alto e queria ouvir blues comigo até ele chegar.

CONTINUA...

Por: Mário Brandes

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