domingo, 18 de outubro de 2009

O Mandamento - PARTE II

- Pode ficar, mas você nunca me viu na vida. Eu posso ser um serial killer, sabia? Eu disse com um sorriso amarelado e tímido como uma criança no primeiro dia de escola.
- Você não é um serial killer, eles são nerds revoltados por não conseguirem passar de alguma fase em algum game idiota. Você não, você ouve blues, o máximo que pode ser é um pé-de-chinelo, prestes a morrer de cirrose.- disse Mariana com um sorriso que me deixou atordoado.
Passamos algum tempo conversando sobre várias coisas, ela disse que estudava fotografia, tinha uma motocicleta, um autógrafo do Paul McCartney e dizia que achava ser a maior mentira do universo o que chamam de "arte pela arte".
Uns dois ou três dias depois Mariana começou a ir no meu apartamento com mais frequência, resolvemos sair, fomos ao parcão, onde sentada na grama ela falava sobre astrologia e misticismo. Vendo o mundo escurecer e as luzes da cidade se acender, começamos a nos sentir como corres berrantes em um espaço em preto e branco, e como numa atração magnética, mergulhamos em um beijo longo e protetor, desses que sonoramente emitem apenas ruídos abafados, mas dizem coisas como "somos os donos do mundo", um beijo ainda mais vertiginoso do que qualquer devaneio meu, um beijo que me fez descobrir que o sentimento gritante dentro de mim se chamava solidão, agora golpeada por outro sentimento que é dito incansavelmente por todas as bocas do mundo, e que, porém, é tão raro quanto qualquer animal em extinção.
No outro dia quando acordei ela já não estava lá, mas tocava Beatles bem baixinho na vitrola e na mesinha ao lado havia um bilhete que abri e li, dizia o seguinte:
"O amor bateu à sua porta, escancare as janelas e espalhe-o pelo mundo. Nesse momento, você deve recém ter acordado e encontrado este bilhete antes de tomar o café e ir trabalhar. Na vitrola está tocando Revolver, um disco que fala de amor e solidão, opostos (ou não) que andam de mãos dadas na vida e no além-vida, na canção Eleanor Rigby há versos que dizem assim: 'Todas as pessoas solitárias, de onde todas elas vêm? Todas as pessoas solitárias, de onde todas elas pertencem?', apenas um gênio poderia ter escrito isso, por ter descoberto o óbvio, o que difere um homem normal de um gênio é a descoberta do óbvio, o óbvio está em toda parte, o óbvio é óbvio, mas você consegue vê-lo? Tu te sentias só antes de mim, te sentias como a personagem da canção, o mundo é solitário, a solidão é uma parede, um muro enorme, um muro de Berlim, o amor é a força para derrubá-lo, mas onde encontrar essa força? Em nós mesmos, ela está cá dentro, dentro de mim, dentro de ti, dentro do padeiro da esquina, do policial corrupto, do bóia-fria, basta despertá-lo. O amor é contagioso já dizia algum filme de que não lembro o nome, outra música desse disco, uma de George Harrison diz 'Fazer amor o dia todo, fazer amor cantando canções', torne isso o décimo primeiro mandamento em sua vida, o amor bateu à sua porta, escancare as janelas e espalhe-o pelo mundo".
Algo dentro de mim novamente berrava, uma força incontida fazia-me sentir tão bem, hoje vi que há flores no asfalto.


Por: Mário Brandes

Nenhum comentário:

Postar um comentário