quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Os copos que ainda quero alcançar

Lá em casa a hierarquia sempre foi valorizada. A mãe tinha várias formas para mantê-la, ela utilizava os copos da cozinha. Nunca foi e está longe de ser a única mãe a fazer isso.

Na hora das refeições, cada um ocupava seu lugar ao redor da mesa, o pai, é claro, à cabeceira para bancar a alimentação. Tudo isso longe, reforço, muito distante de sermos uma família digna de comercial de margarina, mas, as risadas eram soltas altas e os choros também. Muita gente na família sempre dá rebuliço.

Entretanto, com várias pessoas é preciso manter a superioridade para não perder o equilíbrio pleno meio dia. A forma simbólica encontrada pela matriarca era simples, quem se comportasse à mesa, tomava o suco, a coca-cola, a água em copo de vidro. Não que mudasse o gosto da bebida de acordo com o material dos copos. O vidro saía mais caro para os bolsos do benfeitor, o que o tornava nobre, internamente, eu exponho.

Logo, os copos de plástico eram distribuídos conforme adequado comportamento e tamanho. Mas como vidro na mão de criança é absurdo, os menores não tinham a regalia. Nos lugares superiores os vidros tintilavam transparência e imperavam, esbanjando certa solenidade, sabíamos que eram “quase inalcançáveis”, e isso nos cansava.

Certa vez secando a louça idealizei um plano. Eu sempre tive ideias, mesmo não sendo todas de impecável inteligência, melhor tê-las, do que o contrário. Olhei para o cachorro, notei a cozinha, fitei minha mãe e mirei a meia dúzia de copos sobre a mesa. E não deu outra, na hora veio a súbita vontade de puxar a toalha da mesa e bordar o chão da cozinha com cacos transparentes.

A mãe em momentos de raiva quando quebrávamos as louças, prometia fazer colares para nós com os cacos do material danificado. No instante me imaginei com um colarzinho de cacos dos copos. (Que minha mãe nunca leia esse texto). Copos miseráveis, inatingíveis, os seis, eu detestava todos, cada um, agora sim estava vingada se eu não podia usá-los também eles não poderiam me olhar com tanta imponência. Aí sim que eu vou perder para os copos!

Hábeis mãos grandes que a natureza me deu – em ocasiões futuras eu vos falarei sobre elas, sobre o tamanho delas- num piscar o acidente da semana, lá de casa, tinha acontecido: o jogo de copos da mãe agora não passava daquele conjunto de cacos de vidro no meio da cozinha. Ela nem fez o colar que vivia prometendo, ainda bem. E eu demorei anos para chegar aos copos de vidro. Convenhamos aprendi a respeitar a família hierarquicamente, mãe, pai, irmãos mais velhos, por aí vai. Tem crianças que nem sabem o que é isso, nem querem saber.

Hoje os copos de plástico são tão vistosos, coloridos, agradáveis para beber qualquer suco. Ninguém mais se importa se o copo é de vidro ou de plástico, ainda bem. É que tem muito fato que ninguém mais se importa. Com hierarquia a fim de manter a ordem, é um bom exemplo que: ninguém se importa.

E ainda tem muitos copos de vidro que eu quero alcançar.

Por: Daíse Carvalho

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