domingo, 17 de outubro de 2010

O Livro


Bem, publico aqui o texto O Livro da minha amiga Nathalia Schramm, que com uma literariedade simples, leve e bela mostra sentimentos e impressões pessoais da personagem principal através de uma narrativa psicológica ágil e envolvente.
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O Livro


Olhou para sua mão, era com prazer que escrevia aquelas duas letras, banais, comuns, duas letras como tantas outras, mas para ela, aquelas duas letras tinham um significado mais profundo: era a primeira vez que ela expunha algo sobre ele livremente, corriqueiramente, sem culpa, nem vergonha, como se eles fossem amigos ou conhecidos. Era a primeira vez que ela não precisava esconder, nem cochichar coisas que suas amigas já estavam fartas de ouvir, elas ainda a olharam com um ar severo quando souberam o significado daquelas letras em sua mão, mas dessa vez ela tinha um álibi, uma desculpa que os aproximava: um livro. Algo simples, algo comum, que para quem não a conhecesse passaria despercebido. Porém, qualquer um que a conhecesse sabia que não era simples assim, o livro pertencia a ele, aquela letra, aparentemente tão inocente, representava o nome dele, representava ele.
Era como aquelas caixas de fotografias antigas que as pessoas guardam para relembrar momentos alegres, aquele livro e aquele pequeno rabisco tinham nela o mesmo efeito, traziam à sua cabeça todos os momentos bons e até mesmo os ruins, que para ela no fundo eram bons, já que, apesar de tudo, estava com ele e agora que já não podia estar ela tinha algo que era como um pedacinho dele, mesmo ela sabendo que nunca tivera nem um pedacinho dele, e isso doía.
Doía pensar que tudo tinha sido apenas um monte de mentiras, mentiras que ela inventara para si mesma e das quais ele soubera bem como se aproveitar, fazendo com que ela acreditasse em tudo que dizia para si mesma. Ele, porém jamais dissera algo significativo, exceto um “Eu gosto de ti” em um momento de embriaguez.
Mas a verdade é que agora tudo tinha ficado pra trás, tudo tinha que ficar pra trás, ela tinha que esquecer aquilo tudo, tudo que sempre fora nada e que só existiu dentro dela, mas mesmo sabendo disso era difícil, era difícil esquecer as coisas boas, era difícil esquecer as coisas ruins, era muito difícil não pensar e era mais difícil ainda não procurá-lo com o olhar, como se esse tivesse vontade própria, mas que no fundo, ela bem sabia, era a sua própria vontade, vontade de tê-lo por perto, de olhar em seus olhos e ouvir suas histórias sem nexo. Enfim.. era difícil.
Difícil e contraditório, porque quanto mais ela sabia que precisava esquecer, mais ela se recusava a esquecer, mais seu coração teimoso insistia em resistir, mesmo estraçalhado e esfarrapado, ele, que ao mesmo tempo destruído parecia cada vez mais forte, mais firme se arriscava cada vez mais a sofrer. Era como um círculo vicioso, quando mais se machucava, mais aquele coração masoquista, inconseqüente, teimoso, e quem sabe, até corajoso ansiava se machucar, se machucar por ele, aquele ser que o havia ferido, e que entre olhares de asco e sorrisos irônicos, se orgulhava disso, aquele que construía em torno de si um grande muro de gelo a fim de esconder mais um menino com medo, medo de amar, medo de se machucar, medo de sofrer, medo de viver. Mas que era egoísta e egocêntrico o suficiente para fazê-la chorar.
E nesse instante ela parou e só então percebeu que estava andando.
-Espera! –disse ela confusa. Minha casa fica pra lá.
Despediu-se das amigas e tomou o rumo contrário, onde mais uma vez pode vê-lo, seu corpo, como de costume, estremeceu, ela, porém, seguiu seu caminho com passos rápidos e incertos.
O livro? Foi devolvido.
A letra? Sumiu.
Mas o seu pensamento ficou.

Nathalia Schramm

Por: Mário Brandes








Um comentário:

  1. Olá!

    A ilustração que você usa neste post é minha!
    Você deveria ter perguntado primeiro se eu autorizava você a usar e, ainda, colocar os créditos a minha pessoa, bem como link para o meu site.

    Assim, regularize o post ou retire a imagem.

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